O inverno e as constipações
- João Núncio Crispim
- 1 de mai. de 2019
- 4 min de leitura
Agasalha-te!!
Quando está para chegar o inverno, começam os avisos repetidos que aprendemos com os nossos pais e avós: “está frio, não saias de casa sem um agasalho”, “fecha as janelas, olha as correntes de ar”, “não andes descalço que o chão está frio”, “não apanhes vento que estás suado”, “não apanhes chuva que te constipas!”. Estas e outras expressões vão passando de geração em geração, com a garantia de que os miúdos vão também eles espernear e tirar o cachecol assim que saírem da vista dos pais, à semelhança do que os mesmos tinham feito uns anos antes.
Diz-nos a ciência que as constipações passam de criança em criança e de adulto em adulto porque os vírus vão encontrando maneira de se catapultar de uns para os outros pelos espirros e tosses. Não menos importante, as mãos mal lavadas transportam de umas pessoas para as outras os famigerados vírus, que aproveitam uma esfregadela no olho ou no nariz para invadir mais um incauto ser humano.
Estas duas sabedorias parecem então mais uma vez entrar em confronto. Se são os vírus que causam as doenças, fará algum sentido o conselho aparentemente sábio das avós? Ou serão a chuva, o frio e a corrente de ar afinal inocentes?
Porquê o inverno?
O facto indesmentível é este: as constipações e tantas outras infeções respiratórias são francamente mais frequentes no inverno, tempo da intempérie, entupindo centros de saúde e serviços de urgência pelo país fora. No entanto, este facto tão óbvio carece ainda hoje de explicações científicas assertivas que elucidem o papel de vilões que atribuímos ao frio, à chuva e ao vento com que o inverno nos fustiga.
Anos de investigação têm produzido algumas teorias, alguns factos pouco explícitos, e na verdade a resposta simples é esta: não sabemos. Não sabemos porque é que os vírus correm de nariz em nariz de forma muito mais eficaz no inverno que em qualquer outra altura do ano. Não sabemos porque é que a maior ou menor exposição às condições meteorológicas adversas nos empurra para a cama, xaropes, pingos e mezinhas. Não sabemos.
Parece ser verdade que os vírus, eles próprios, gostam do frio. Por um lado, o calor diminui a capacidade das gotas de saliva projetadas transmitirem os vírus de um indivíduo doente para outro. Por outro, os vírus sobrevivem melhor em ambientes frios e secos, e pensa-se ainda que talvez a luz ultravioleta presente na luz solar seja deletéria para a sobrevivência dos mesmos. Isto explica em parte que os vírus vejam no inverno o período do ano mais favorável à sua multiplicação e transmissão.
A teoria mais aceite ao longo do século passado é a de que no inverno as pessoas procuram os ambientes mais fechados, aglomerando-se nas suas casas, centros comerciais, cafés e restaurantes. Nessas circunstâncias a proximidade entre indivíduos doentes e saudáveis seria maior, facilitando a transmissão dos vírus por via das gotículas respiratórias e pelo contato das mãos. Apesar de fazer sentido, esta hipótese não explica tudo.
Inspirados pela sabedoria popular dos pais e avós, os cientistas têm tentado perceber se a exposição ao frio de alguma forma fragiliza as nossas defesas naturais. Isso explicaria que os vírus vissem no inverno mais do que melhores hipóteses de sobrevivência na perigosa viagem entre narizes. As suas vítimas encontrar-se-iam nessa altura mais frágeis, mais suscetíveis – alvos fáceis e desprotegidos. Alguns estudos parecem indicar que diversas armas dos nossos glóbulos brancos são menos eficazes quando a temperatura é mais baixa. No entanto a nossa temperatura corporal não sofre significativas variações ao longo do ano, oscilando em redor de 1ºC. Isto deu a alguns estudiosos uma ideia: o nariz, órgão que entre outras funções serve para aquecer e humedecer o ar que inspiramos, está no inverno exposto a temperaturas mais baixas. É a primeira barreira ao ar frio, e como tal mais exposto ao mesmo. Se imaginarmos que o nariz é também o primeiro a receber o ataque dos vírus, e conhecendo a menor eficácia dos glóbulos brancos a temperaturas menores, conseguimos imaginar porque pode o frio influenciar as nossas defesas. Mais: parece que os cílios – como que vassouras que empurram para o exterior o muco impregnado de vírus, bactérias e detritos que nos entram pelas narinas todos os dias – ficam mais lentos e menos eficazes a menores temperaturas.
Um estudo curioso, conduzido pelo investigador mais entusiasta da “teoria do nariz”, constatou que a exposição dos pés a água fria provoca vasoconstrição das mucosas das vias respiratória superiores. Isto levaria a uma diminuição da temperatura no nariz e – voilá – uma diminuição da qualidade das defesas locais. Nada disto prova que pés frios e molhados causam constipações, mas diriam muitas avós: “eu não te disse?!?! Vai mudar de meias que essas estão encharcadas!”.
Estudos em animais sugerem que a exposição ao frio poderá ainda ter outro efeito: a baixa temperatura exterior parece prolongar o período durante o qual os vírus são libertados nas vias respiratórias, prolongando portanto o período de contágio e aumentando o número de indivíduos potencialmente infetados por cada indivíduo doente.
Outros investigadores concentraram-se na perspetiva inversa: será o calor favorável ao nosso sistema imunitário? Talvez não o calor, mas a exposição aos raios solares durante os meses mais soalheiros parece ter um papel favorável. Eles são responsáveis pela produção de vitamina D, que tem um papel regulador do nosso sistema imunitário. Por outro lado, a exposição a períodos mais longos de sol – com dias mais longos e noites mais curtas no verão – estimula uma maior produção da hormona melatonina, o que poderá ser favorável ao funcionamento das nossas tropas de defesa.
Concluindo...
No meio de tanta ciência persistem as dúvidas. Todos sabemos que o inverno traz consigo as infeções virais, que as constipações são sobejamente mais frequentes nesta altura do ano, que é quase certo que a cada inverno cada um de nós terá que vencer uma constipação. No entanto a explicação científica que demonize o frio com a mesma veemência que a sabedoria popular está ainda longe de chegar. Como qualquer bom criminoso o frio encarrega-se de ser subtil nas suas ações, continuando a inspirar os insaciavelmente curiosos investigadores. Pelo sim pelo não, enquanto eles se debruçam nos tubos de ensaio, agasalhem-se...
Kommentarer